5 – CRITÉRIOS DA VERDADE GLOBAL

Tradução por Paulo Santos

     Em relação à Tradição Jacobeia é comum adotar uma das duas posturas: aceitá-la ou recusá-la. Qualquer delas é impossível assumir com certeza e é adotado por cada um, de acordo com a sua disposição. Em tradições tão antigas, uma atitude destrutiva é tão incerta como assegurar a autenticidade, porque toda a lenda possuí um núcleo de verdade histórica com raiz popular envolvida por um manto imaginativo, incluindo falsidade, pelo que cada pessoa, segundo a sua inclinação, encontrará o que quer encontrar, argumentos de possível credibilidade ou razões de falsificação. Importa _3_151_3396_representacion_de_la_traslatioreferir que a Tradição, transmitida durante séculos, introduz elementos que engrandecem e deformam a lenda. Convém por isso, analisar o que pode ser verdadeiro ou verosímil e extrair os elementos de valor simbólico ao longo de sua transmissão através dos tempos e das sucessivas culturas. Deste modo, quiçá poderemos encontrar o verdadeiro fundo da Tradição. É imperativo analisar se entre os elementos históricos e da lenda existe algo que nos permita discernir e relacionar entre o fantástico e o objetivo, a começar pela mítica Barca de Pedra.

     As versões mais antigas dizem que Santiago chegou à costa Galega numa Barca de Pedra, o que torna um expediente acessível para os detratores, perante o brilhante argumento da impossibilidade de que uma embarcação em pedra possa flutuar, concluindo que a Tradição é um relato mítico, sem conteúdo credível e que não merece consideração histórica nem análise científica.

Nueva imagen (2)     Mas a Barca de Pedra não é um elemento constante. Aparece apenas nas versões antigas, de origem popular, com transmissão oral, porque a Tradição Jacobeia não é uma iniciativa eclesiástica. No seguimento do presente facto, observamos que em alguns lugares da Galiza, como em Muxía e San Andrés de Teixido, os escarpados rochosos são ricos em formas cuja visão nos permite entender que as gentes primitivas pudessem especular como Barcas de Pedra, com rochas que se parecem com partes de uma embarcação em formas invertidas no mar.

     Além do mais, também surgem Barcas de Pedra em outros pontos de litoral atlântico da Europa, como na Bretanha, Gales e Cornualha, onde as embarcações de pedra trazem heróis, guerreiros e outras personagens mitológicas. Quer isto dizer, que nos encontramos perante a difusão atlântica de um elemento arcaico que impregna a Tradição Jacobeia, mas que não é substancial, nem genuíno.

Dibujo 4 terminado - copia     Uma opção valorizada por alguns autores, é que a Barca de Pedra é um sarcófago sobre uma barca ou balsa para subir um rio em caso de “repatriamento” de alguma personagem da antiguidade, para o que tinham que exumar o caixão e enviar ao seu lugar de origem. Isto seria talvez incomum, mas não excecional na antiguidade, em que o traslado de restos e relíquias, adquiriu verdadeiro desenvolvimento. Como se fazia a trasladação? Nem os caminhos, nem os veículos estavam adaptados a isso, e as vias terrestres eram escassas e concebidas mais com fins militares e administrativos do que comerciais. As vias marítimas e fluviais, desenvolvidas através do comércio desde os tempos antigos, eram o modo mais apropriado. Os sarcófagos e os blocos de pedra eram inclusive acondicionados no porão dos barcos como lastre necessário para a navegação. O desembarque do sarcófago no destino, com o recurso a uma balsa, praticamente submergida pelo peso, deveria dar a impressão de uma pequena embarcação de pedra a flutuar. Num estuário ou ria, o arraste fluvial com o recurso a varas ou cordas, da balsa à margem, permitia subir os rios até ao lugar oportuno. Situados estes elementos em algum lugar galego, entre brumas misteriosas, construiu-se a lenda, com todos os componentes mais fantásticos e legendários. De modo que o suposto absurdo da barca de pedra flutuando e navegando sobre as águas, não tem que ser necessariamente um mito, e até pode corresponder a um facto compreensível.

Quinquerreme romano. guerracontraroma.blogspot.com.     Ainda outra explicação: “Barca de Pedra” não alude ao material do que a barca é constituída, mas sim à função que desempenha, no caso do transporte de mineral (ouro e estanho) por via marítima, relacionado à rota do estanho, iniciada pelos fenícios e continuada pelos romanos. A Galiza está localizada em plena rota comercial do estanho, sendo também produtora do mesmo, e no Vale do Sil, em terras de Orense e no Bierzo, há vestígios de explorações romanas, em que os minerais seriam depois transportados por via marítima a outros pontos do império. Está documentado que o comércio da pedra entre Egipto e a Galiza nos tempos de Jesus Cristo, era realizado em embarcações que eram designados de Barcos de Pedra, o que associado à tradição cultural celta, permite compreender a fácil transformação de um conceito em outro através dos séculos.

     Sem uma pretensão demostrativa a Barca de Pedra tem uma dimensão lógica que não valida rejeitar à partida a Tradição Jacobeia.

 hundimiento puente    Um procedimento paralelo pode aplicar-se a outros dos muitos elementos que mistificam o relato jacobeu, como os 7 dias e os 7 discípulos que mais que uma referência cronológica impossível ou um número fechado de discípulos, pode explicar-se simplesmente pelo uso bíblico do número sete. A luta com o dragão e com os touros bravos são também elementos simbólicos que representam a superação de dificuldades. O anjo Timonel ou a mão divina que guia a embarcação ou a submersão da ponte que desta forma protege os discípulos dos seus perseguidores, demonstram a proteção divina ao estilo que é transmitido aquando da travessia do mar vermelho.

Traslado toros     A conclusão útil deste tema, é que a lenda, ainda que na sua fantasia acumulada através das culturas e dos séculos, guarda um conteúdo coerente e compreensível, o que já constitui um primeiro substrato de veracidade que nos convida a seguir com aprofundamento.

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